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A princípio pouco se sabe sobre os primeiros habitantes da Etiópia setentrional, já que por volta do século V. AEC. a densidade demográfica não era das mais altas. As descobertas arqueológicas realizadas no início do século XX possibilitaram a reconstituição da época pré-axumita, que, segundo o arqueólogo francês, F. Anfray, pode ser catalogada em dois períodos: o período sul -arábico e o período intermediário. -
O período conhecido pela forte influência da Arábia do Sul sobre a Etiópia do norte e dotado de elementos na arquitetura, arte e epigrafia, indica a intensa influência sul-arábica, que emergiu após séculos de penetração silenciosa de "pequenos grupos de imigrantes” no norte da Etiópia. Durante este período, a evidência arqueológica de sítios como Yeha e Melazo aponta para uma sociedade organizada sob monarquias hereditárias e a adoração de divindades do panteão sabeano, como Almaqah(deusa lunar)
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O segundo período pré-axumita mostra uma cultura local que assimila influências estrangeiras. Não há mais um fluxo sul-arábico direto, e sim uma evolução interna. O afastamento do dialeto primitivo é evidenciado por inscrições em grafia rudimentar. A arquitetura religiosa, que usa granito e xisto e é orientada pelos pontos cardeais, é explorada em sítios como Melazo e Haúlti.
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O ge'ez, dialeto etíope de origem sul-arábica, consolidou-se como língua do Reino de Aksum, utilizando caracteres sabeus adaptados. Desenvolveu-se junto com o Estado aksumita, tornando-se veículo de inscrições reais, comércio e, posteriormente, da literatura cristã. Sua evolução reflete a autonomia cultural e política de Aksum. -
A cidade de Aksum foi provavelmente estabelecida no início da nossa era, embora seu processo de desenvolvimento ainda seja pouco conhecido. As referências literárias mais antigas a Axum aparecem no Périplo do Mar Eritreu. Se levarmos essas fontes em consideração, é provável que já existisse, por volta do século I d.C., um centro urbano ativo e envolvido nas rotas comerciais do Mar Vermelho. -
Zoskales é o primeiro rei de Aksum mencionado por fontes antigas. Segundo o Périplo do Mar Eritreu, ele governava com justiça e inteligência, controlando uma cidade já envolvida em intenso comércio marítimo com o Mediterrâneo e o Oriente. Sugeriu-se que ele não era rei de Axum, mas um governante tributário menor. Contudo, Axum já apresentava um comércio vigoroso e ordenado. O estabelecimento da monarquia transformou Axum na capital do emergente Estado.
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Durante o século II d.C., Aksum começou a buscar o enfraquecimento do controle marítimo Himyarita no Mar Vermelho. Esse interesse culminou em uma aliança com Saba e na tomada de áreas sob domínio Himyarita. Essa linha de desenvolvimento, observada entre os séculos I e II d.C., levou Axum a uma posição de força que lhe permitiu enviar exércitos em expedições marítimas e até mesmo estabelecer guarnições em partes da Arábia, já na época do rei Gadarat (GDRT), que sucedeu este período.
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Conhecido por inscrições no Iêmen, Gadarat foi um dos primeiros reis de Aksum. Usando o título nagashi (governador), aliou-se ao reino de Saba contra Himyar. Suas campanhas estabeleceram uma presença militar e política aksumita no sul da Arábia, ocupando temporariamente a capital himiarita, Zafar. Este período marca a entrada de Aksum como uma potência ativa no comércio e na política internacional do Mar Vermelho. -
No cenário dos quatro reinos árabes (Himyar, Saba, Hadhramawt, Qataban), o rei Gadarat aliou-se a Saba contra Himyar, visando conter seu domínio comercial no Mar Vermelho. Um tratado formal unificou guerra e paz entre os aliados. As tropas aksumitas, comandadas por seu filho Beyga, ocuparam Zafar, capital himiarita, estabelecendo o primeiro controle militar aksumita na Arábia. A residência real de Gadarat, Zararan (em Aksum), foi citada em paralelo ao palácio sabaeano, simbolizando esta parceria
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Após a morte de seu aliado 'Alhan Nahfan, o rei sabaeano Sha'ir Awtar (c. 210-230 d.C.) rompeu a aliança com Aksum. Aliando-se a Himyar, os sabaeanos infligiram uma derrota a Gadarat, expulsando as tropas aksumitas da capital Zafar. Apesar desta perda territorial, o período como um todo confirma que Aksum havia alcançado um novo ápice de poder. atuando como uma monarquia militarista com impacto na projeção de força no exterior.
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Este marco iniciou uma nova era, fornecendo uma ferramenta crucial para rastrear a história do reino. A cunhagem de moeda, especialmente em ouro, foi um ato de soberania que colocava Aksum em pé de igualdade com impérios como Roma. O rei Endubis iniciou a cunhagem de moeda, seguindo o modelo romano, mas com desenhos próprios, a moeda servia como um poderoso veículo de propaganda real, além de simplificar e lucrar com o comércio. -
As primeiras moedas de Aksum, cunhadas pelos reis pagãos de Endubis a Ezana, eram uniformemente marcadas pelo símbolo do disco e crescente. Esta iconografia, que afirmava uma identidade religiosa pré-cristã.
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Este período é definido pelos cinco primeiros reis a cunhar moeda: Endubis, Aphilas, Wazeba, Ousanas e Ezana. Suas moedas introduziram o título 'Bisi' e o símbolo pagão do disco e crescente. Wazeba, possivelmente em co-regência com Ousanas, inovou ao usar a língua ge'ez. O período culmina com Ezana, que iniciou seu reinado como pagão mas converteu Aksum ao cristianismo por volta de 333 EC, substituindo o disco e crescente pela cruz em suas moedas.
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Sob influência de Frumêncio, conselheiro sírio cristão, o rei Ezana converte Aksum. Um movimento estratégico alinhou o reino ao Império Romano cristianizado, integrando-o nas redes diplomáticas e comerciais do Mar Vermelho e do Mediterrâneo, sem perder sua autonomia. A conversão marca o início do cristianismo como religião de estado, influenciando profundamente a arte, literatura e cultura etíopes. -
Foi a fase de consolidação do cristianismo em Aksum, atestada pela introdução de cruzes nas moedas e menções a reis cristãos como Ezana, Ouazebas e Eon. Contatos diplomáticos com o Império Romano passam a ser registrados no Código Teodosiano (c. 350 d.C.). Posteriormente há a queda do maior obelisco de Aksum, possivelmente sob o governo de Ouazebas, que simboliza o declínio do paganismo.
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O rei Caleb invade o Iêmen para depor o rei judeu Yusuf, assegurando os interesses comerciais e políticos de Aksum na região. Após uma breve ocupação, seu vice-rei Sumyafa‘ Ashwa‘ é deposto pelo general Abreha em uma rebelião, marcando a perda definitiva do controle axumita sobre o Iêmen. O alto custo militar da campanha acelerou o declínio do reino, evidenciado pela degradação progressiva das moedas a cunhagem chega ao fim no século VII, um reflexo do colapso econômico e do isolamento de Aksum. -
O rei Caleb (Ella Atsbeha) de Aksum lidera uma campanha naval ao Iêmen para vingar o massacre de cristãos pelo rei judeu Dhu-Nuwas. Com apoio de Bizâncio e bênção monástica, desembarca com sucesso, derrota e executa Dhu-Nuwas, reconquistando Zafar e Najran. Após a vitória, nomeia Sumyafa‘ Ashwa‘ como vice-rei, mas retira-se para a vida monástica, enviando sua coroa ao Santo Sepulcro em Jerusalém. Algumas fontes relatam que Caleb ermaneceu no poder até 542
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O reino de Aksum entrou em declínio a partir do final do século VI d.C., possivelmente devido ao uso excessivo das terras agrícolas ou à incursão de pastores bedja do oeste que, formando pequenos reinos, ocuparam partes do território de Aksum para pastagem de seus rebanhos e atacaram persistentemente as caravanas de camelos de Axum -
A política dos reis de Aksum de permitir que chefes tribais conquistados tivessem grande autonomia se voltou contra eles, assim que alguns desses chefes tivessem os meios para lançar rebeliões. Em última análise, Aksum pagaria caro pela falta de qualquer aparato administrativo estadual real. Por fim, desde o início do século VII d.C., houve forte competição pelas redes de comércio do Mar Vermelho. O coração do estado de Aksum deslocou-se 300 km ao sul para as cidades de Lalibela e Gondar. -
Como consequência do declínio, no final do século VIII d.C., o antigo Império de Aksum havia deixado de existir. A cidade de Axum se saiu melhor do que o reino homônimo e nunca perdeu seu significado religioso. O território do reino de Axum acabaria por se desenvolver no reino medieval da Abissínia com a fundação da dinastia salomônica por volta de 1270 d.C., cujos reis reivindicavam descendência direta do Rei bíblico Salomão e da Rainha de Sabá -
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